Caminhos negociais e soluções jurídicas que podem evitar o risco de uma determinação judicial.
Por Anna Carolina Duarte Keller Cesar de Azevedo
A pandemia global causada pelo Coronavírus (COVID-19) trouxe diversas consequências para todos os setores, em especial o mercado imobiliário, que sofreu bastante com o evento de força maior. O aumento acentuado do IGP-M, conforme demonstrado pelo gráfico abaixo[1], calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), fez com que se aumentasse consideravelmente os casos de inadimplência de aluguel:
Nesse cenário, o locador/empreendedor, além de amargar prejuízos em razão da inadimplência do aluguel, também se preocupa em não perder seu locatário, uma vez que o imóvel vazio gera despesas e prejuízos suportados pelo próprio empreendedor.
Por outro lado, essa alta inadimplência provocada pela utilização do IGP-M nos contratos de locação não tardou chegar ao Judiciário, por meio de ações revisionais ou renovatórias, conforme o caso. Nessas hipóteses, houve decisões do Judiciário, promovendo a alteração do índice de reajuste pactuado em contrato de locação, sob o argumento de excessiva onerosidade do IGP-M, conforme se verifica no acórdão abaixo:
“Locação de Imóvel comercial. Ação renovatória de contrato. Tutela de Urgência deferida parcialmente para substituir o índice de reajuste contratualmente previsto para o IPCA/IBGE, excepcionalmente para o ano de 2021. Agravante que pretende de alterar o índice desde o ano de 2020 até o trânsito em julgado da sentença. Medida excepcional, a ser concedida quando presentes todos os requisitos do art. 300 do CPC. Ausente a probabilidade do direito exigida pelo legislador.”
(Proc. 2026047-11.8.26.000; Rel. Gomes Varjão; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado. J. 01/06/2022. P. 01/06/2022)
Neste artigo pretendemos expor o risco advindo de decisões judiciais que alterem índices de reajuste previstos em contrato, bem como apresentar caminhos negociais e soluções jurídicas que possam evitar o risco de uma determinação judicial deste elemento tão significativo para o negócio de locação.
1 – CLÁUSULAS DE MAIOR IMPACTO NO PROCESSO DE REVISÃO CONTRATUAL EXTRAJUDICIAL EM LOCAÇÃO COMERCIAL.
Diante do risco judicial de alteração do índice de reajuste, o mais interessante para ambas as partes é a negociação, evitando que tais questões cheguem ao Poder Judiciário, por meio de processos que são onerosos e morosos, se comparados aos trâmites de uma revisão contratual extrajudicial.
Contudo, algumas condições negociais e jurídicas são essenciais para a garantia da segurança desta revisão contratual extrajudicial. São exemplos dessas condições: (i) acordar via aditamento cláusulas temporárias para o adimplemento do aluguel mínimo mensal, por exemplo, a redução do valor do aluguel mínimo mensal; (ii) descontos sobre o índice estabelecido em contrato, o IGP-M/FGV, ou a sua substituição temporária por outro índice de correção; (iii) a instituição de nova data para o pagamento; e (iv) o diferimento temporário dos prazos de pagamento. Naturalmente, tais condições devem ser objeto de negociação e consenso entre as partes, visando a continuidade e viabilidade do contrato.
Por outro lado, vale lembrar que a revisão e o reajuste negocial do contrato de locação só são possíveis dentro dos limites previstos na lei, em especial, na Lei n.º 8.245/91 (Lei de Locações), ainda que a própria lei permita maior margem de negociação entre as partes de contrato de locação em shopping center, por força do art. 54 de referido diploma[1]. Isso é, não é lícito que a revisão contratual contenha condições que são contrárias à legislação aplicável, como, por exemplo, a instituição da possibilidade de resilição do contrato de locação por parte do empreendedor, enquanto vigente a locação por prazo determinado (por força do art. 4º, da Lei de Locações), ou mesmo a exigência de dupla garantia (por força do § único do art. 37 do mesmo diploma).
Essa revisão proporcionada pelas condições acima visa restabelecer o equilíbrio contratual, o qual foi afetado pela força maior ou fortuito provocado, na hipótese que tratamos, pela pandemia e a consequente alta do IGP-M, tornando excessivamente onerosa o cumprimento das obrigações e responsabilidades contratuais tal como originariamente pactuadas.
2 – FORMALIZAÇÃO DO ACORDO EXTRAJUDICIAL.
Com o êxito da negociação da revisão contratual extrajudicial, faz-se necessária a sua formalização, sendo absolutamente não recomendado o acordo meramente verbal. Ou seja, é imprescindível a formalização de tal acordo, por escrito, em instrumento de aditamento ao contrato de locação ou instrumento de transação próprio, englobando, em qualquer caso, as condições comerciais e jurídicas ajustadas nessa revisão contratual com efeitos temporários.
Neste momento, é fundamental, para a segurança do empreendedor, a previsão de penalidades no caso de inadimplência do acordo por parte do locatário/lojista. Por exemplo, cláusulas que instituam uma penalidade específica e majorada, ou a cobrança retroativa da integralidade dos débitos locatícios, tal como originariamente pactuados, são instrumentos que resguardam o empreendedor em eventual cobrança extrajudicial ou judicial do débito, na hipótese de inadimplência.
Por outro lado, não há como se “garantir” o sucesso da negociação da revisão contratual extrajudicial. Na hipótese de não consenso, pode ser necessária a via judicial para a rescisão do contrato de locação, despejo e cobrança de eventuais débitos inadimplidos. Nessa hipótese, é importante que o empreendedor tenha o registro das tentativas de negociação junto ao locatário/lojista, como prova documental de sua boa-fé negocial, na medida em que o diálogo promovido intentou a manutenção da viabilidade do contrato.
CONCLUSÃO
Como vimos, ante os cenários de alta inflação e restrições de circulação, como aqueles impostos pela pandemia do COVID-19, o risco de alteração judicial dos contratos de locação, seu índice de reajuste e outras obrigações é premente. Nesse cenário, é juridicamente recomendável que o empreendedor busque caminhos alternativos e negociais para a revisão extrajudicial de seus contratos de locação atingidos por referido fator.
Ainda que, atualmente, o cenário da pandemia seja de controle e diminuição paulatina dos casos de contaminação e aumento contínuo dos índices de vacinação, com expectativa de retomada e crescimento econômico[1], é fundamental que empreendedores e seus advogados estejam preparados para situações semelhantes ao cenário provocado pela pandemia.
Nesse sentido, os pontos de negociação contratual apontados, quais sejam, (i) redução do valor do aluguel mínimo mensal; (ii) descontos sobre o índice de reajuste; (iii) alteração da data de pagamento; (iv) diferimento dos prazos de pagamento, sem prejuízo de outras estratégias que poderão ser analisadas a partir do caso concreto, são instrumentos imprescindíveis para uma revisão e equilíbrio contratual justa e que atenda a necessária viabilidade econômica da locação.
[1]Fonte: Portal FGV. Disponível em: <https://portal.fgv.br/noticias/igpm-marco-2022?utm_source=portal-fgv&utm_medium=fgvnoticias&utm_id=fgvnoticias-2022-03-30>. Acesso em: 17 abr. 2022.
[2] Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center , prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.
§ 1º O empreendedor não poderá cobrar do locatário em shopping center :
a) as despesas referidas nas alíneas a , b e d do parágrafo único do art. 22; e
b) as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite - se e obras de paisagismo nas partes de uso comum.
§ 2º As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas.
[3] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/02/01/apos-atingir-recorde-transmissao-de-covid-19-comeca-a-desacelerar-na-cidade-de-sp.ghtml
REFERÊNCIAS
תגובות