Histórico e problematização
Com o advento da pandemia, uma nova realidade surgiu e as pessoas ao redor do mundo foram obrigadas a se reinventar. Com esta readequação de realidade, abriu-se espaço para que a tecnologia pudesse ser ainda mais explorada e acima de tudo, pudesse suprir a necessidade da presença física.
Assim, algo que muito era cogitado e pouco explorado passou a ser colocado de fato em prática: a assembleia condominial virtual. As novas determinações sobre as assembleias virtuais foram inseridas a partir da Lei 14.010/2020 que trata do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), como pode se ver abaixo:
Art. 5º A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.
Parágrafo único. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.
Com caráter fundamental ao momento, cumpriu seu papel como a forma viável para a realização das assembleias condominiais. Modelo que não se restringiu apenas a espécie ordinária, mas também para extraordinárias, garantindo inclusive que todas as medidas necessárias para frear a disseminação do Covid-19 pudessem ser apresentadas e executadas nos condomínios.
Apesar da Lei acima ter caráter emergencial e transitório, e assim, viger apenas até a data de 30 de outubro de 2020 - quando então perdeu os seus efeitos e voltou ao status quo quanto a realização das assembleias condominiais na modalidade virtual -, ela deixou seu legado e abriu as portas para que essa modalidade pudesse ser de fato aceita e mais bem descrita no Código Civil Brasileiro.
Assim, em 08 de março de 2022 foi promulgada a Lei 14.309/2022 que alterava o Código Civil viabilizando a realização de reuniões e deliberações virtuais pelas organizações da sociedade civil e condomínios edilícios, bem como possibilitava a sessão permanente das assembleias condominiais.
Nessa alteração, foi introduzido o artigo 1354A que pode então, em definitivo, indicar as diretrizes para a realização das assembleias condominiais no mundo eletrônico, como pode se ver abaixo:
Art. 1.354-A. A convocação, a realização e a deliberação de quaisquer modalidades de assembleia poderão dar-se de forma elettrônica, desde que:
I - tal possibilidade não seja vedada na convenção de condomínio;
II - sejam preservados aos condôminos os direitos de voz, de debate e de voto.
(...)
Sobre o tema, explicam Pablo Stolze e Carlos Eduardo Elias de Oliveira que:
Apesar do silêncio legal, a comunicação entre os participantes da assembleia não precisa ser oral e pode ser por escrito também. Ademais, entendemos que esse meio deve permitir comunicação instantânea (on-line), como plataformas de chat (como um grupo no WhatsApp) ou de videoconferências (como o aplicativo Zoom). Isso porque as assembleias precisam garantir que os participantes expressem suas motivações para convencer ou dissuadir os demais. Para a lavratura da ata da assembleia virtual, não há necessidade de assinatura física específica de cada membro.[1]
Nestes critérios, a utilização de meios tecnológicos em benefício da sociedade é de longe um marco. Porém, se definido pelos responsáveis as assembleias virtuais são passíveis de vedação pela convenção de condomínio, conforme visto acima, e também dependem de critérios específicos dispostos nos parágrafos do artigo 1354A que podem dificultar ou até mesmo impedir a realização das assembleias se não obedecidos.
Apesar de, na maioria das vezes, facilitar a vida dos condôminos e responsáveis pelas assembleias, o meio eletrônico por si só traz questionamentos e dúvidas quanto sua aplicação na prática. A validação de presença, documentos e votos, bem como viabilidade de gravação da assembleia e registro da ata em cartório ocorrem da mesma forma que a assembleia presencial? Ou existem outras formas?
Apesar do receio do novo, as soluções tecnológicas a esses questionamentos têm se mostrado muito adequadas e eficazes, sendo os tópicos acima mencionados resolvidos com aplicativos específicos de gestão condominial e certificados digitais, capazes de gravar e registrar a assembleia, validar a presença, certificar o envio de documentos e também o registro da ata em cartório que darão publicidade às deliberações tomadas de forma eletrônica.
Cabendo ressaltar o parágrafo 2º deste mesmo artigo que protege a administração do condomínio frente aos problemas tecnológico individuais dos condôminos:
§ 2º A administração do condomínio não poderá ser responsabilizada por problemas decorrentes dos equipamentos de informática ou da conexão à internet dos condôminos ou de seus representantes nem por quaisquer outras situações que não estejam sob o seu controle.
Ainda que aparados por este parágrafo, a administração deve fazer um estudo sobre a sua viabilidade. O que seria uma assembleia sem condôminos presentes? Por isso, deve se ter a certeza de que todos possuem acesso ao computador e a rede de internet e que, ainda, tenham a capacidade de realizar os tramites básicos para acesso a assembleia dispostos no instrumento de convocação. A assembleia poderá, inclusive, ocorrer através de aplicativos ou sistemas de softwares complexos, fatores que dificultam o acesso para aqueles que não estão habituados.
Como solução, muitas vezes se faz necessária a disponibilização de telões e computadores para que todos os condôminos possam se fazer presentes virtualmente, e então recorrer a modalidade híbrida, descrita no parágrafo 4º.
§ 4º A assembleia eletrônica deverá obedecer aos preceitos de instalação, de funcionamento e de encerramento previstos no edital de convocação e poderá ser realizada de forma híbrida, com a presença física e virtual de condôminos concomitantemente no mesmo ato.
Assim, fica nítida a evolução tecnojurídica que vem ocorrendo, principalmente no tema abordado: assembleias condominiais virtuais. Como mencionado, os ganhos são incalculáveis e afastam cada dia mais a necessidade da presença física das pessoas onde antes era impensável.
Entretanto, o alerta é claro: deve-se realizar um estudo de viabilidade pratica das assembleias virtuais para que esta modalidade não cerceie o direito dos condôminos de participarem e se manifestarem. Em condomínios a comunicação entre todas as partes é de extrema importância.
[1] GAGLIANO, Pablo Stolze; OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Comentários à Lei da Pandemia: análise detalhada das questões de Direito Civil e Processo Civil, 2020.
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