As particularidades das locações de Shopping Centers.
Por Bruna Ballario e Danielle Esteves Mendonça
Dentre os empreendimentos imobiliários estruturados (“Real Estate”), destacam-se os Shoppings Centers, por representar uma valorização imobiliária no entorno de sua localização, notadamente pelos impactos positivos que fomentam na região que são implementados e, além disso, pelo potencial de geração de renda e emprego, dentro e fora, dos seus respectivos complexos prediais.
Os Shoppings Centers se diferenciam de outros Real Estate por diversos motivos, dentre eles, a fórmula de integração empresarial dos lojistas, que renunciam em parte sua autonomia empresarial e assumem obrigações mais complexas, inerentes as suas integrações nos Shoppings Centers, com o propósito de obter benefícios para sua empresa.
Para a implantação deste empreendimento imobiliário – Shopping Center – de acordo com ALMEIDA e TREVELIM (2021, p.226), se faz necessária a realização de um estudo de viabilidade que compreende diversos aspectos, como, por exemplo: (a) a análise do comércio local; (b) as condições de tráfego da região; (c) as facilidades de acesso ao empreendimento, (d) o poder de compra dos moradores do entorno; e (e) os hábitos de consumo do público-alvo da região.
A ponderação dos fatores retromencionados é elementar para definir o perfil de clientela que o empreendedor busca alcançar e indicar a estruturação mais adequada para a alocação estratégica dos lojistas no empreendimento (“Tenant Mix” ou “Mix”), de forma que a escolha criteriosa por suas marcas e atividades desempenhadas, seja capaz de proporcionar um conjunto comercial integrado e potencializador dos valores individuais de cada lojista, aumentando, assim, a venda global do Shopping Center.
Mencionada fórmula de integração do tenant mix, é a responsável por aguçar o desejo dos lojistas em abandonarem as práticas isoladas das suas respectivas atividades comerciais, para participarem do empreendimento Shopping Center, de forma a potencializar sua lucratividade, mesmo que, em contrapartida, as obrigações principais e acessórias sejam mais específicas.
O entendimento da especificidade do negócio explica a necessidade da existência de cláusulas que objetivem a preservação: (i) do mix e a regulação da concorrência interna como, a vedação da sub-rogação contratual e, a proibição da alteração do ramo de atividade exercida e; (ii) da concorrência externa como a cláusula de raio e a cláusula de exclusividade, que podem se apresentar de forma conjunta e/ou isoladamente.
A cláusula de raio, também chamada de cláusula de não concorrência ou, ainda, de cláusula de exclusividade territorial, veda que, por determinado período, o lojista inaugure ou mantenha loja com a mesma atividade empresarial que exerce no empreendimento, dentro de um determinado raio de distância contado do centro do terreno do Shopping Center.
Por sua vez, a cláusula de exclusividade, determina a vedação de abertura de uma nova unidade da mesma loja em outro Shopping Center ou, em outra espécie de Real Estate em determinada região (existente ou futuro) previamente determinado contratualmente, de forma genérica ou específica, com a inclusão de um rol taxativo de tais empreendimentos.
Tais disposições tem como objetivo evitar a concorrência nas proximidades do Shopping Center protegendo seu poder de atratividade e formação de clientela, bem como manter o lojista, em determinado perímetro, como cliente exclusivo de seus produtos como empreendimento, ao invés de adquirir os produtos advindos de outros Real Estate concorrentes na região.
Além disso, aludidas obrigações visam coibir que a inauguração de uma mesma loja nas proximidades do Shopping Center venha a desencadear uma concorrência predatória capaz de prejudicar todas as lojas do centro comercial, ao contrário de seu objetivo, qual seja, a relação simbiótica entre os lojistas e entre os lojistas e o Shopping Center, na qual uma loja atrai público consumidor para a outra e, assim, sucessivamente (BARCELLOS, 2021, p.205).
Mencionadas obrigações, conforme explicam ALMEIDA e TREVELIM (2021, p.233), destacam-se nos casos em que o empreendedor, por possuir interesse no lojista: (i) investe dinheiro na loja (“Allowance”), (ii) oferece vantagens financeiras (desconto ou isenção de encargos locatícios e isenção do pagamento pela cessão do direito de uso do espaço - Res Sperata) ou (iii) concede a exclusividade inversa, prevendo contratualmente que nenhum dos concorrentes do lojista possa integrar o mix, já que a possibilidade de ter diversas outras lojas na região pode vir a dividir o público consumidor, dificultando, assim, o retorno do investimento feito e prejudicando, ainda, todo o estudo de viabilidade colocado em prática naquele determinado empreendimento.
Muito se discutiu sobre a legalidade da aplicação dessas obrigações contratuais, em razão do conflito entre os princípios da autonomia contratual e da liberdade de concorrência e livre iniciativa.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE ao analisar a questão nos processos administrativos[1] determinou que as cláusulas fossem adaptadas para respeitar determinados parâmetros, sendo lícitas desde que aplicadas conforme o caso concreto, prevendo limitação temporal (prazo razoável), geográfica (indicação da distância) e de objeto (mesma marca), não podendo a liberdade individual do lojista ser totalmente suprimida. A cláusula de exclusividade, da mesma forma, é considerada lícita per se, a depender da análise diante de cada caso concreto.
Não só, a matéria foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça que, da mesma forma, entendeu que tais cláusulas presentes nos contratos de locação de Shoppings Centers, de modo isolado, não são abusivas, já que por possuir uma estrutura comercial híbrida e peculiar necessita de cláusulas diferenciadas para garantir seu fim econômico, além do que, em razão do pacta sunt servanda, da autonomia privada e da função social da empresa, o controle judicial sobre as cláusulas livremente pactuadas é restrito[2].
Assim, a previsão de tais cláusulas no contrato de locação, de forma a afastar qualquer ilicitude, deve obedecer aos critérios estabelecidos: (i) de tempo razoável, em regra, de 5 (cinco) anos (ii) de limitação geográfica, em regra, de 2 (dois) a 5 (cinco) quilômetros de distância; e (iii) limitada à marca presente no Shopping Center. Além disso, devem ser devidamente justificadas e razoáveis pelas nuances do caso concreto (BARCELLOS, 2021, p.219/220).
[1] Como exemplo: Conselho Administrativo de Defesa Econômica, CADE. Processo Administrativo nº 08012.002841/2001-13. Representante Condomínio Shopping D. Representado: Center Norte S.A. – Construção, Empreendimento, Administração e Participação. Conselheiro Relator Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, julgado em 19.01.2005, publicado em 08.03.2005. [2] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.535.727/RS, Quarta Turma, Relator Marco Buzzi, julgado em 10.05.2016, publicado em 20.06.2016.
No mais, deve-se ter, ainda, especial atenção com relação às disposições contratuais que preveem as consequências em caso de eventual descumprimento dessas cláusulas, podendo a infração contratual acarretar a incidência de penalidades previstas no contrato de locação, como a aplicação de multa, a rescisão antecipada ou a cobrança do aluguel percentual calculado sobre a receita das lojas de propriedade do locatário inauguradas em afronta a cláusula de raio ou exclusividade.
Depreende-se, portanto, que se corretamente aplicadas, as cláusulas de raio e de exclusividade se mostram uma importante ferramenta de proteção contratual para que seja garantido o tão almejado tenant mix eficiente, aquele com poder de atratividade representado por lojas e atrações diversas, objetivando o aumento de público consumidor e ao consequente aumento da lucratividade de todos envolvidos.
Referências
ALMEIDA, Flávio Coelho de; TREVELIM, Ivandro Ristum. Cláusula de exclusividade em Contratos de Locação de Shopping Center. Shopping Center da Prática à teoria e seu reverso. São Paulo: IBRADIM Editora, 2021.
BARCELLOS, Rodrigo Arantes. A Cláusula de Raio nos Contratos de Shopping Center. Shopping Center da Prática à teoria e seu reverso. São Paulo: IBRADIM Editora, 2021.
MANSUR, Sâmea Luz. A legalidade da Cláusula de Raio em contratos de locação de espaço em Shopping Center. Disponível em: https://samealuz.jusbrasil.com.br/artigos/376614318/a-legalidade-da-clausula-de-raio-em-contratos-de-locacao-de-espaco-em-shopping-center. Acesso em: 08 de abril de 2022.
ALVES, Maria Vitória; FAGUNDES, Ana Letícia. A validade jurídica da cláusula de raio na locação em shoppings centers. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-28/opiniao-validade-juridica-clausula-raio-shoppings. Acesso em: 08 de abril de 2022.
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