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CONTRATOS DE LOCAÇÃO SEM GARANTIA – UMA REFLEXÃO




Por Marcos Bravi


De acordo com a Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE), o Brasil conta com 620 Shoppings, num total de 112.738 lojas e mais de 1.000.000 de empregos gerados que ocupam impressionantes 17 milhões de metros quadrados de área bruta locável[1]. Tais números provam que o ramo é parte indissociável da cultura de consumo brasileira e imprescindível para a saúde da economia nacional.

 

A sustentação desse grande negócio se dá por meio do acordo de vontades dos lojistas e empreendedores ativos no mercado, usualmente traduzido num contrato de locação entre as partes. Dentro dos muitos temas tratados no contrato e seus documentos relacionados, a garantia locatícia ocupa posição estratégica, pela relevância financeira e expectativa de segurança que carrega consigo.

 

A garantia locatícia é uma obrigação que pretende eliminar um risco que pesa sobre o credor do contrato de locação quando defrontado com a inadimplência contratual. Está ligada à noção de cumprimento das obrigações, notadamente, a de pagamento do aluguel convencionado pelas partes. A Lei 8245-91, diploma que regula as locações dos imóveis urbanos e procedimentos pertinentes, trata das garantias locatícias, suas modalidades legais e seus respectivos mecanismos na sua SEÇÃO VII. O artigo 37 por exemplo, apresenta quatro modalidades de garantia, cada uma com oportunidades e ameaças próprias, a serem consideradas a partir das características do contrato de locação a que se destinam.

 

No artigo 42 da lei encontra-se opção que pode passar desapercebida pelos mais apressados: A ausência de garantia. O dispositivo anota, neste caso, a possibilidade de cobrança do aluguel e encargos locatícios até o sexto dia útil do mês vincendo, mas esta não é a única consequência da ausência de garantia.


Tal ausência pode se dar tanto pela expiração da modalidade escolhida, ao se findar o prazo do seguro de fiança locatícia ou se morto o fiador por exemplo, quanto pela escolha das partes ao firmar o contrato de locação. Ausência de garantia significa dizer que o credor do contrato de locação está plenamente exposto ao risco de inadimplência, mas isso não implica necessariamente em seu prejuízo.

 

O contrato de locação sem garantia faculta a cobrança do aluguel e encargos locatícios até o sexto dia útil do mês vincendo, medida que oferece ao credor o recebimento dos encargos antes do usufruto do espaço pelo devedor. Além do impacto financeiro, a medida também propicia a distribuição do despejo com pedido liminar de desocupação em caso de inadimplência.

 

Tido como a grande vantagem do contrato sem garantia, o despejo liminar está previsto no artigo 59 da Lei 8245-91 e conta com dez hipóteses, das quais se destaca a do inciso IX, objeto da discussão presente. Com efeito, a inadimplência de aluguel e acessórios em contrato desprovido de garantia, por sua extinção, exoneração ou não contratação, autoriza o despejo liminar independendo de motivo. O devedor terá 15 dias para desocupar o imóvel voluntariamente ou efetuar o depósito integral dos valores devidos, sob consequência da emissão do mandado de despejo.

 

Enquanto a medida representa uma economia de tempo relevante em comparação ao despejo convencional, existem pontos que precisam ser bem conhecidos pelo Shopping para que o pedido não resulte em atraso e prejuízo. Isto porque o pedido do despejo liminar pressupõe a prestação de uma caução equivalente a três meses de aluguel, previsão do parágrafo primeiro do artigo 59 que não pode ser esquecida. Neste caso, o Shopping precisará dispor da quantia total de modo imediato, fazendo um depósito judicial que permanecerá até a efetivação do despejo.

 

O oferecimento dessa caução não precisa se dar exclusivamente em dinheiro; ela admite os formatos real e fidejussória. Frequentemente, o próprio imóvel do empreendimento é ofertado em caução, mediante prova de titularidade e inexistência de ônus reais. Além disso, há possibilidade de pleito ao juízo para utilização do crédito locatício como garantia[2], já que, por representar uma quantia, é suficiente a garantir ao devedor dos encargos da locação a indenização mínima por eventuais perdas e danos na hipótese de reversão posterior da decisão liminar.

 

Admitida a caução e decorrido o prazo quinzenal sem cura da dívida pelo devedor, o juízo emitirá o mandado de despejo a ser cumprido por oficial de justiça. Nesta fase, o Shopping precisará se organizar para receber o oficial, realizar o despejo e eventualmente lidar com os pertences do devedor deixados no espaço locado, caso este não esteja disponível para removê-los na ocasião. É prática usual encaminhar quaisquer objetos existentes no espaço despejado a um depositário judicial com o repasse de custos ao devedor.

 

Com isso, o despejo liminar se mostra uma opção ágil ao despejo convencional, mas sua eficácia dependerá da habilidade do Shopping em movimentar os recursos necessários e da sua compreensão quanto à velocidade oferecida pelo poder judiciário. A expectativa de conclusão do procedimento precisa estar alinhada com a possibilidade de empenho pelo foro eleito, visto que muitas comarcas sofrem com o excesso de processos e a falta de recursos para atendê-los.

 

Por lógica, contar com uma garantia prestada por um banco de primeira linha ou por uma caução em dinheiro tornará a solução da dívida muito mais fácil do que na ausência destas. No entanto, firmar o contrato de locação sem qualquer das garantias legais é uma opção que possibilidade o despejo liminar, permite a cobrança adiantada dos encargos locatícios, e isenta o locatário quanto à custos para suportar um seguro ou uma caução em dinheiro além de reduzir o tempo da contratação por dispensar diligências de verificação de pessoas físicas ou jurídicas que se pretenderiam fiadores.

 

Este último ponto é de especial importância. A garantia por meio de fiador é amplamente utilizada no mercado de Shoppings, mas frequentemente a saúde do garantidor não é examinada com o cuidado necessário. Isso arrisca a existência de uma garantia “oca”, quando um fiador pessoa física ou jurídica é inapto para suportar o tamanho financeiro do contrato, mas cria a falsa expectativa de segurança, se revelando um grande obstáculo por ocasião da execução dos débitos em juízo, já que o fiador será uma parte a ser citada, ouvida, investigada e intimada, o que representa tempo e dinheiro gastos com uma medida que não trará o resultado esperado.

 

Portanto esta é uma opção que dependerá da estratégia adotada pelo Shopping; se por um lado a falta da garantia favorece a inadimplência, por outro a retirada rápida do devedor favorece a interrupção da dívida. A possibilidade do despejo liminar será ponto jurídico conhecido pelas partes desde o início da relação, o que pode facilitar a negociação de pagamento e/ou a desocupação voluntária do espaço, afastando a necessidade de recorrer ao judiciário.

 

É claro que esta modalidade não tem aplicação geral ou automática. Seu bom uso dependerá, sempre, de uma análise das características do empreendimento, do momento financeiro pelo qual ele passa e dos objetivos que ele persegue. É este o exercício que irá construir uma decisão plural, por meio da compreensão dos riscos envolvidos no caminho que o Shopping escolher.



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[2] São exemplos os processos nº. 1027953-37.2019.8.26.0007 e 1003934-93.2021.8.26.0007 em trâmite na 1ª Vara Cível do Foro Regional VII – Itaquera, Comarca de São Paulo/SP.

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