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LIMITES DO PACTA SUNT SERVANDA EM CONTRATOS DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER FRENTE À LEI DE LOCAÇÃO

A obrigatoriedade no cumprimento dos contratos






Por Claudia Bancher e Paola Camberlingo Montanaro


Há séculos os acordos entre pessoas nas mais diversas sociedades são dados através de contratos. Seja na forma oral ou escrita, o objetivo do contrato é o cumprimento de obrigações e deveres ali estabelecidos.

Como forma de proteger o que fora estipulado e assegurar a boa fé e segurança jurídica entre as partes, foram criados princípios e mecanismos jurídicos. Um desses princípios, entendido como pilar das relações privadas, é o pacta sunt servanda, conceito jurídico surgido no Direito Canônico Medieval.


O pacta sunt servanda é uma expressão de origem latina que traduz a ideia de: “os pactos devem ser cumpridos”. Ela carrega consigo o princípio primordial da obrigatoriedade dos contratos. Isto é, se os envolvidos estiverem de acordo e ajustados pela submissão das regras estabelecidas no documento, o contrato obriga seu cumprimento como se lei o fosse. (Tissot, 2021)[1]

Assim, muito se questiona sobre a força deste princípio e a sua atuação frente as limitações impostas pelo Estado. Um exemplo claro de existência e aplicação deste princípio nas relações particulares é o artigo 54 da Lei de Locações ao tratar de lojistas e empreendedores. Vejamos:



Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.



Em breve análise, este artigo demonstra a paridade entre as partes – Empreendedor e Lojista – bem como visa a autonomia nas negociações entre eles, base do pacta sunt servanda. Este posicionamento confronta a comum interferência do Estado em diversas relações, a partir de seus mecanismos, tornando as partes paritárias e igualmente suficientes, o que não se faz necessário nesta relação contratual harmônica.


Entretanto, cabe ressaltar que diversos doutrinadores entendem de forma antônima essa análise e adotam o posicionamento de que a parte locatária é na realidade hipossuficiente na relação, trazendo assim um viés consumerista ao contrato de locação.


A fim de embasar tal ponto de vista, tendem a dizer ainda, que o Contrato de Locação é um Contrato de Adesão, baseando seus argumentos na existência de cláusulas que, por sua essência, não podem ser alteradas no Contrato de Locação.


Estas cláusulas, tratam de temas que vão muito além do interesse entre as partes, elas visam o interesse coletivo do empreendimento, como é o caso de cláusulas referentes ao tenant mix.


O Tenant Mix – mix de locatários - é o planejamento da posição e distribuição das lojas dentro do empreendimento de forma que se apresentem marcas dos mais diversos ramos e atividades a fim de que o empreendimento seja atraente, competitivo e rentável para os lojistas e empreendedor.


Como é possível observar, no caso do tenant mix, o entendimento vai além de escolhas de lojas de forma aleatória, a sua distribuição no espaço depende de estudos e investigações que são feitas regularmente pelo Empreendedor, podendo este, caso entenda necessário, alterá-lo de forma unilateral, a fim de priorizar o empreendimento como um todo, não cabendo, aqui a negociação dessa alteração com os lojistas individualmente, visto que o interesse de um lojista não pode sobrevir ao interesse do coletivo.


Ressalta-se ainda, que as cláusulas de natureza comercial na qual o interesse é apenas das partes e não envolve o coletivo, são sempre negociadas, o que mostra que o argumento de hipossuficiência e de contrato de adesão não se sustentam, as cláusulas que não são negociadas são apenas as cláusulas que afetam o empreendimento como um todo.


Assim, a utilização deste viés argumentativo de imposição de determinadas cláusulas não se suporta, os interesses são complementares e a relação é paritária logo em sua essência, tem-se nos dois polos da locação – Empreendedor e Lojista – partes instruídas e capacitadas negociando o Contrato de Locação, trata-se de empresários negociando entre si de forma equivalente.


Entretanto, esta autonomia da vontade e livre disposição entre as partes expressa no contrato de locação, esbarra na própria lei de locação, a qual imputa artigos de natureza cogente. A título exemplificativo, o artigo 4º da lei de Locação, aborda a proporcionalidade da multa rescisória e no artigo 51º da mesma lei é abordada a imposição da renovação compulsória. Estes exemplos freiam a livre disposição sobre os temas em contrato e limitam o poder de livre acordo esperado.


Assim, de forma equivocada, o Estado adentra na liberdade de negociação das partes, por meio de seu poder regulatório, restringindo até mesmo o poder do artigo 54 da Lei de Locação, e protege erroneamente a parte que, supostamente, coloca-se na posição de vulnerabilidade.


O Contrato de Locação, por si só, já observa os princípios da boa-fé, da autonomia da vontade das partes, do consensualismo, da força obrigatória, do equilíbrio econômico e da função social, não necessitando, portanto, do protecionismo do Estado gerado pela própria Lei de Locação ou ainda por outros dispositivos conexos.


Frente o acima exposto, se torna nítido que a autonomia de vontade entre as partes, estabelecida e apontada no artigo 54 da Lei de Locação, é na realidade relativa, visto que esbarra no protecionismo arraigado do Estado, descaracterizando assim o pacta sunt servanda em sua essência, bem como, dando ao lojista um certo protecionismo, como se o Estado, comprasse a teoria da hipossuficiência deste empresário, o que é totalmente descabido, frente a relação negocial entre empresários paritários



Referências:

BRASÍLIA, Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Capítulo II – Das Disposições Especiais, Art. 54. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em: 10 de jun. 2022.


STJ - Ag: 1269651, BRASÍLIA, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de julgamento: 24 de março de 2010, Data de Publicação: DJe 07/04/2010.


TISSOT, R. O que é o princípio do pacta sunt servanda e suas principais implicações. Aurum, 2021. Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/pacta‑suntervanda/#:~:text=Pacta%20sunt%20servanda%20%C3%A9%20um,cumprimento%20como%20se%20fosse%20lei. Acesso em 24 mar. 2022.


[1] TISSOT, R. O que é o princípio do pacta sunt servanda e suas principais implicações. Aurum, 2021. Disponível em: < https://www.aurum.com.br/blog/pacta-sunt-servanda/#:~:text=Pacta%20sunt%20servanda%20%C3%A9%20um,cumprimento%20como%20se%20fosse%20lei.> Acesso em: 24 mar. 2022.

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