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Natureza Empresarial da Relação entre Shopping Center e Lojista: Distinção da Relação de Consumo


Azevedo Vilela

Por Bruna Dias Ballario 


A relação de consumo é definida pela interação entre consumidores e fornecedores de bens e serviços, sendo esta regulada por leis e normativas específicas que têm por objetivo primordial proteger, sobretudo, os direitos dos consumidores. Tais legislações estabelecem os direitos fundamentais do consumidor e abordam uma gama de questões que envolvem, entre outros aspectos, a publicidade enganosa, práticas comerciais abusivas e a responsabilidade do fornecedor.

 

Ademais, é crucial considerar a hipossuficiência dos consumidores, ou seja, a evidente disparidade de poder e conhecimento existente entre consumidores e fornecedores. Este conceito é primordial para garantir que as relações de consumo sejam equilibradas e justas.

 

O objetivo final dessas regulamentações é assegurar que os consumidores tenham acesso a informações adequadas, a produtos e serviços de qualidade e que sejam tratados de maneira justa e equitativa durante todo o processo de consumo. Isso permite uma maior segurança e satisfação por parte dos consumidores, contribuindo assim para a sustentabilidade das relações consumeristas.

 

Neste contexto, para que se estabeleça uma relação de consumo, é imprescindível a presença de certos requisitos, como a existência na relação de um consumidor e um fornecedor. Como enfatiza Fábio Coelho:

 

"Caso não seja possível a identificação de ambos os conceitos (consumidor e fornecedor) nos polos da relação jurídica, o assunto será estranho à incidência do regime consumerista. Isso em razão do caráter relacional dos conceitos de consumidor e fornecedor: um não existe sem o outro[1]."

 

Adentrando ao aspecto da relação entre o lojista e o empreendedor no âmbito do shopping center, vale salientar que esta não se enquadra no conceito de relação de consumo. Isso ocorre pois, embora o lojista esteja 'consumindo' um serviço oferecido pelo empreendedor, o propósito final desta relação é comercial.

 

O lojista não se encaixa na figura do consumidor, pois o espaço que aluga no shopping é para fins comerciais e não para seu uso pessoal, individual ou familiar. Portanto, a legislação consumerista não se aplica a essa relação. De fato, a interação entre o lojista e o empreendedor de um shopping é uma relação comercial mútua, e não uma relação de consumo.

 

Assim, o empreendedor busca criar um ambiente atrativo para a atividade comercial do lojista, enquanto este, por sua vez, contribui para a manutenção do espaço comum e adere às normas do shopping. O sucesso desta relação comercial entre o empreendedor e o lojista é fundamental para o funcionamento do shopping center, ainda que ela não seja caracterizada como uma relação de consumo.

 

Tanto não bastasse, é importante destacar que os contratos que regulam as relações entre lojistas e empreendedores não podem ser equiparados aos contratos de adesão que caracterizam muitas relações de consumo.

 

Os contratos de adesão são habitualmente utilizados nas relações de consumo e se caracterizam por serem preestabelecidos unilateralmente por um dos contratantes, normalmente o fornecedor, não permitindo ao consumidor a oportunidade de negociar ou modificar substancialmente as cláusulas contratuais.

 

Nesta esteira, Fabio Ulhoa Coelho leciona:

 

"A maioria dos contratos não resulta de amplas negociações entre os sujeitos. O usual é a declaração de vontade de uma das partes limitar-se à adesão às cláusulas contratuais fixadas unilateralmente pela outra. É assim que ocorre, por exemplo, com todos os contratos de consumo. Não há margem possível para negociação. Se o consumidor quiser contratar, resta-lhe apenas a alternativa de concordar com as condições de negócio do fornecedor. Não havendo nestas nenhuma invalidade, por desrespeito à lei, serão válidas e eficazes entre as partes. Acaso discorde de uma ou outra disposição das cláusulas gerais, o consumidor não manifesta sua adesão e o contrato não se constitui. A essas duas alternativas – aderir ou não – limita-se a declaração de vontade negocial do consumido.[2]

 

Por outro lado, a relação entre lojistas e empreendedores é regulada, em sua essência, por contratos de locação. Estes contratos são caracterizados pela cessão de um determinado local, por um determinado período, mediante pagamento. Na relação em questão, o empreendedor cede um espaço no shopping center para o lojista desenvolver sua atividade comercial. A natureza desses contratos permite uma maior liberdade de negociação entre as partes, o que contrasta significativamente com os contratos de adesão.

 

Desta maneira, as relações entre lojistas e empreendedores abrangem uma dinâmica contratual distinta das relações de consumo, o que ressalta ainda mais a natureza não-consumerista dessa interação. A complexidade e a flexibilidade desses contratos de locação ilustram a peculiaridade das relações comerciais no contexto de um shopping center. Conforme explica Marcelo Barbaresco:

 

“De outro lado, cabe iluminar que, por mais atípicas que sejam as estipulações a serem encontradas nesse plexo contratual que, reafirma Penalva Santos[3], se trata de “contratos coligados”[4], coloca Capanema de Souza que as tais cláusulas não podem ser “confundidas com cláusulas abusivas, que os ponham [os ocupantes, locatários] em manifesta desvantagem, e que são [e se assim fossem] fulminadas pela sanção de nulidade[5]. "[6](grifos nossos).

 

Assim, é essencial compreender a natureza empresarial que caracteriza a relação entre o empreendedor de um shopping center e o lojista para desvendar as dinâmicas subjacentes a essa parceria comercial. É crucial enfatizar que essa relação difere significativamente da relação de consumo estabelecida entre o shopping center e os consumidores finais. Isto se dá pois o lojista, ao locar um espaço no shopping, não está adquirindo um produto ou serviço para consumo pessoal ou familiar, mas sim para fins comerciais. Desta forma, o lojista não se enquadra na definição de consumidor nessa relação, que é, em sua essência, de natureza empresarial.

 

Aprofundando a abordagem acima delineada, podemos definir que o shopping center funciona como uma entidade empresarial que provê um espaço físico, infraestrutura, marketing e serviços de suporte para atrair e facilitar a interação entre lojistas e consumidores. Por sua vez, o lojista, seja ele um empresário ou empreendedor individual, opera uma loja dentro do shopping center, sendo responsável pela gestão de seu negócio, o que pode envolver desde a seleção do mix de produtos, aquisição de estoque, contratação de pessoal, até a definição de estratégias de marketing e precificação.

 

A relação entre o shopping center e o lojista é regida por um contrato de locação, no qual ambas as partes têm direitos e obrigações claramente definidos. Este contrato não deve ser confundido com um contrato de adesão, visto que proporciona uma ampla discussão das condições gerais entre as partes, permitindo a inclusão de cláusulas especiais no quadro resumo do contrato de locação. Tais elementos refletem a existência de negociação e autonomia na celebração do contrato, reforçando o caráter empresarial da relação.

 

Quando analisamos o contrato de locação entre um shopping center e um lojista, fica evidente que ele não apresenta a unilateralidade típica dos contratos de adesão. Ambas as partes têm autonomia e capacidade de negociar as cláusulas contratuais. O lojista tem a possibilidade de discutir o valor do aluguel, as condições de renovação, as obrigações de cada parte, entre outros aspectos, antes de firmar o contrato. De modo similar, o shopping center também está sujeito a negociações e ajustes, não detendo o poder de impor cláusulas pré-estabelecidas sem margem para alteração.

 

Com efeito, a relação entre shopping center e lojista é caracterizada como uma relação empresarial, na qual ambas as partes buscam atingir metas comerciais e lucrativas. O shopping center fornece uma infraestrutura e um ambiente propícios para que o lojista possa desenvolver seu negócio e atrair clientes, enquanto o lojista contribui para a variedade e oferta de produtos e serviços dentro do shopping center.

 

Portanto, diante das características e elementos presentes no contrato de locação entre shopping center e lojista, torna-se claro que esse tipo de contrato não se encaixa na definição de contrato de adesão. A existência de negociação e a autonomia das partes na definição das cláusulas contratuais refutam a unilateralidade típica dos contratos de adesão. Logo, é crucial reconhecer a natureza distinta deste tipo de contrato, que respeita a liberdade contratual e assegura um equilíbrio de poder entre as partes envolvidas nesta relação jurídica.

 

Referências:


BORGES, Marcus. Capítulo 18 (Marcelo Barbaresco). Shopping Center In: BORGES, Marcus. Curso de Direito Imobiliário Brasileiro - Ed. 2023. São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais. 2023. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/curso-de-direito-imobiliario-brasileiro-ed-2023/1804174510. Acesso em: 19 de Junho de 2023.

 

COELHO, Fábio. Capítulo 42. O Empresário e a Relação de Consumo In: COELHO, Fábio. Curso de Direito Comercial: Contratos, Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2020. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/curso-de-direito-comercial-contratos-falencia-e-recuperacao-de-empresas/1188258344. Acesso em: 20 de Junho de 2023.

 

COELHO, Fábio. 9. Contratos de adesão In: COELHO, Fábio. Curso de Direito Civil: contratos. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2016. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/curso-de-direito-civil-contratos/1328288059. Acesso em: 20 de Junho de 2023.

 

PENALVA SANTOS, J. A. Regulamentação jurídica do shopping center. In RENAULT PINTO, Roberto Wilson; ALBINO DE OLIVEIRA, Fernando A. (coords.). Shopping centers (questões jurídicas). São Paulo: Saraiva, 1991, p. 114.

 

CAPANEMA DE SOUZA, Sylvio. A lei do inquilinato comentada. Artigo por artigo. 9ª. ed. rev., at. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 236.


[1] COELHO, Fábio. Capítulo 42. O Empresário e a Relação de Consumo In: COELHO, Fábio. Curso de Direito Comercial: Contratos, Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2020. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/curso-de-direito-comercial-contratos-falencia-e-recuperacao-de-empresas/1188258344. Acesso em: 20 de Junho de 2023.


[2] COELHO, Fábio. 9. Contratos de adesão In: COELHO, Fábio. Curso de Direito Civil: contratos. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2016. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/curso-de-direito-civil-contratos/1328288059. Acesso em: 20 de Junho de 2023.


[3]   PENALVA SANTOS, J. A. Regulamentação jurídica do shopping center. In RENAULT PINTO, Roberto Wilson; ALBINO DE OLIVEIRA, Fernando A. (coords.). Shopping centers (questões jurídicas). São Paulo: Saraiva, 1991, p. 114.


[4] Coloca Penalva Santos que a teoria dos “contratos coligados foram, no Simpósio realizado em 1984, acolhidos por diversos debatedores como o tipo ideal entre aqueles celebrados entre o empreendedor e o lojista. [...] Os contratos coligados, via de regra, através de instrumentos separados, caracterizam-se pela presença de um elemento objetivo representado pelo nexo econômico ou teleológicos, e outro, de cunho subjetivo – a intenção de se coligar vários negócios jurídicos para um objetivo comum.” (Regulamentação jurídica do shopping center, p. 114).


[5] CAPANEMA DE SOUZA, Sylvio. A lei do inquilinato comentada. Artigo por artigo. 9ª. ed. rev., at. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 236.


[6] BORGES, Marcus. Capítulo 18 (Marcelo Barbaresco). Shopping Center In: BORGES, Marcus. Curso de Direito Imobiliário Brasileiro - Ed. 2023. São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais. 2023. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/curso-de-direito-imobiliario-brasileiro-ed-2023/1804174510. Acesso em: 19 de Junho de 2023.

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