Por Claudia Bancher
Diante dos aspectos e características próprias dos Shopping Centers ocorreu ao longo dos anos uma certa dificuldade em se classificar a natureza jurídica dos contratos de locação em Shopping Center, surgindo várias correntes doutrinárias quanto à sua natureza jurídica.
A fim de abarcar a realidade econômica e as especificidades do negócio de Shopping Center, o legislador na Lei n.º 8.245/91 (“Lei do Inquilinato”) mais precisamente em seu artigo 54, propiciou às partes da relação jurídica – empreendedor e lojistas – o protagonismo de negociar o Contrato de Locação definindo seus termos da forma que julgassem mais adequadas ao sucesso do empreendimento.
O legislador reconheceu que por se tratar de uma relação empresarial, não seria necessária a rigidez da tutela legal como nos casos referentes a locação da moradia, trazendo à baila a autonomia da vontade das partes disposta no artigo 54 da Lei do Inquilinato.
Apesar de a regulamentação legal de 1991 ter incluída a relação locatícia em Shopping Center tentando solucionar a questão conflituosa da natureza jurídica do contrato de locação em shopping center, fato é que até a data de hoje ainda se discute na doutrina qual é a natureza jurídica de tal relação.
Esse artigo abarcará as 4 (quatro) principais correntes doutrinárias[1], sobre a natureza jurídica dos contratos em shopping center, dentre elas: (i) teoria da locação; (ii) teoria da locação com atipicidade; (iii) teoria dos contratos coligados; e (iv) teoria da atipicidade mista.
(i) Teoria da locação – Contrato típico de Locação
Os doutrinadores desta teoria dentre eles Caio Mário e Waldir de Arruda Miranda Carneiro[2] defendem que as peculiaridades advindas do contrato de locação em shopping center, não retira do contrato a natureza de contrato de locação, visto que a simples menção do contrato de locação em shopping center disposta no texto do artigo 54 da Lei do Inquilinato já é a tipificação do contrato como um contrato de locação típico, e que apesar do texto legislativo estabelecer regra que assegure a prevalência das condições livremente pactuadas entre lojista e empreendedor, garantindo maior liberdade e autonomia contratual, não retira do contrato a natureza de contrato de locação.
(ii) Teoria da Locação com Atipicidade
Essa corrente doutrinária em que Ives Gandra Martins[3] e Orlando Gomes[4] são adeptos, entende que em decorrência das inúmeras características que dispõe o contrato de locação de shopping seria muito simplista considerar o contrato de locação de Shopping Center como um contrato de locação puro, pois encontra-se repleto de características diferenciadas à essa espécie contratual.
As atipicidades da locação de shopping center tanto quanto às normas complementares como à associação dos lojistas entre outras fazem com que a locação em shopping center seja diferenciada das demais locações comerciais sim, mas continua tratando-se dessa espécie contratual, não a descaracterizando, fazendo, apenas que seja tratada de uma forma diferente, como uma espécie atípica de locação, não como uma locação pura e simples, ou seja, uma forma de locação com cláusulas atípicas.
Entendeu-se, portanto, que o contrato de locação de shopping center tem natureza jurídica de locação incluindo suas peculiaridades, visto que a própria Lei do Inquilinato em seu artigo 54 dispõe sobre a liberdade de contratar, permitindo que os requisitos próprios desse tipo de locação estejam abarcados.
(iii) Teoria dos Contratos Coligados
Para os adeptos dessa doutrina, como é o caso de Rubens Requião[5], os contratos de locação em shopping center são contratos coligados pois são compostos de vários contratos distintos vinculados com objetivo de alcançar determinada finalidade econômica, sendo cada contrato regido pelas normas de seu tipo.
Assim sendo, para os adeptos dessa doutrina o contrato de locação em shopping center não seria nem de locação e nem atípico misto, visto não se formar uma nova espécie contratual e sim serem contratos coligados compostos de vários contratos distintos vinculados com objetivo de alcançar determinada finalidade econômica, acreditando que nessa espécie contratual haverá a incidência das normas pertinentes a cada espécie, uma vez que não há unidade de causa.
(iv) Teoria da Atipicidade Mista
Preliminarmente é necessário entender o que é contrato atípico misto. Entende-se ser atípico, pois sua formação ocorre no “exercício da autonomia privada, para a autorregulação de interesses, que demandam modelo inexistente no quadro legal” e misto porque “sua estrutura engloba elementos típicos de dois ou mais contratos nominados”[6].
Essa teoria versa que a formação do contrato atípico misto está ligada a finalidade socioeconômica, possuindo características únicas, autônomas e distintas. Em razão de sua finalidade socioeconômica os doutrinadores dessa teoria, dentre eles Maria Helena Diniz[7], entendem que em razão do contrato de locação de shopping center ter como seu objeto principal o comércio e não a locação os contratos de shopping center teriam como natureza jurídica a teoria da atipicidade mista.
Ainda entendem que as peculiaridades da locação em shopping center como, aluguel percentual, contribuição para o fundo de promoção, normas complementares, entre outras, desfiguram a locação, e por tal motivo seria considerado um contrato atípico misto.
Assim sendo, se o contrato de locação em shopping center tiver a natureza jurídica de contrato atípico misto, sua base legal será o artigo 425 do Código Civil Brasileiro, observado, porém, as disposições procedimentais da Lei do Inquilinato.
Conclusão:
Embora o legislador em 1991 tenha incluída a relação jurídica de contratos de locação em shopping center na Lei do Inquilinato, existe ainda entre os doutrinadores discussão quanto a real natureza desses contratos, visto ser tal relação decorrente de uma relação complexa entre lojista e empreendedor, onde predomina a autonomia da vontade das partes, limitada às disposições procedimentais previstas na Lei, sem de fato se ter uma legislação específica para tais contratos.
É de suma importância ter a definição da natureza jurídica pacificada dessa relação jurídica, uma vez que a natureza jurídica tem relação direta com a norma jurídica a ser aplicada no contrato de locação em shopping center.
[1] A natureza jurídica do contrato de shopping center e seu contraste com o Condomínio Especial: A questão do Aluguel Mínimo e Percentual, Edson Ramos e Jéssica Pinheiro, https://www.webartigos.com/artigos/a-natureza-juridica-do-contrato-de-shopping-center-e-seu-contraste-com-o-condominio-especial-a-questao-do-aluguel-minimo-e-percentual1/124647
PEREIRA, Carlos Edson. “Controvérsias contratuais em shopping centers”, Faculdades Integradas Curitiba, Programa de Mestrado em Direito, Curitiba 2007, p.67 a 77, http://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-19301/controversias-contratuais-em-shopping-centers
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. “Shopping centers”: organização econômica e disciplina jurídica. In: ARRUDA, José Soares; LÔBO. “Shopping Centers”: aspectos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984b. p. 77; 82. CARNEIRO, Waldir de Arruda Miranda. Anotações à lei do inquilinato: lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.420.
3 MARTINS, Ives Gandra da Silva. A natureza jurídica das locações comerciais dos “shopping centers”. In: PINTO, Roberto Wilson Renaut; Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 93.
[4] GOMES, Orlando. Traços do perfil jurídico de um shopping center. In Arruda, José Soares. LOBO, Carlos Augusto da Silveira (coord) “Shopping centers”: aspectos jurídicos. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1984, p.99.
[5] REQUIÃO, Rubens. Considerações Jurídicas sobre os centros comerciais (“shoppings centers”) no Brasil. In: ARRUDA, José Soares; LÔBO, Carlos Augusto da Silveira (Coord.) “Shopping centers”: aspectos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 131.
[6] GOMES, 1984. op. Cit., p. 93.
[7] DINIZ, Maria Helena. Lei de locações de imóveis urbanos comentada: lei n. 8.245, de 18-10 1991. 8. ed. rev. atual. e aum. conforme o Código Civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 243