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UMA VIRTUDE EM DECADÊNCIA


Por Marcos Bravi


Em fevereiro deste ano, os principais portais de notícias do país noticiaram que o Brasil assumiu a liderança do ranking de ansiedade avaliado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com quase 10% da população convivendo com o transtorno. Os dados se referem à ansiedade patológica, uma doença que limita o cotidiano da pessoa, a qual experimenta sofrimento psíquico e físico em sua decorrência.

 

Respeitada a seriedade que a ansiedade patológica requer em sua discussão e tratamento, fato é que “ansiedade” é uma palavra que ganhou notoriedade nos últimos tempos. Outras palavras participam deste grupo de destaque, tais como “algoritmo”, “influencer”, “estresse” e “isolamento”, mostrando-nos que os avanços alcançados nas últimas décadas trouxeram consigo situações novas que a sociedade está despreparada para lidar.

 

Não há novidade em reconhecer que a velocidade, o isolamento social e a ansiedade, entre outros fenômenos decorrentes da tecnologia, das ações humanas e das circunstâncias que as cercam trazem certas ameaças e impõem alguns desafios à saúde mental, esta também uma ideia relativamente recente. O momento talvez seja de constatar a perigosa decadência de uma virtude ancestral e imprescindível à existência nesse contexto.

 

A paciência está diretamente ligada à moderação, à mansidão e a certa capacidade de sofrer, sem contrariedade, situações próprias a causar irritação, desgosto e tédio. Assim, apesar de não aparentar, a paciência é heroica, enquanto a impaciência, que simula coragem e poder, guarda em si grande fragilidade. A importância da paciência como fundamento da convivência é inquestionável, e foi explorada ao longo dos séculos por filósofos, intelectuais e artistas.

 

Contudo, nas últimas três ou quadro décadas, a tecnologia, em sua frenética busca, exacerbou as expectativas humanas de controle e de satisfação imediata, reduzindo drasticamente as capacidades de tolerância e persistência. O resultado é um aumento perigoso do sofrimento fruto do desconhecimento, da incerteza e das mudanças, elementos inevitáveis da vida.  

 

O direito talvez seja um dos campos de atividade humana mais subordinado à paciência. Um exemplo comum é a diferença entre o ritmo do poder judiciário e o ritmo das expectativas daqueles que dele dependem; mas também é possível atestar tal subordinação ao examinar trabalhos de redação, negociação e conciliação que fazem parte da rotina jurídica, litigiosa ou não. Os avanços tecnológicos trouxeram inquestionáveis benefícios ao direito, mas também trouxeram expectativas incompatíveis com as irritações, contradições e os desgostos que são parte da atividade jurídica, porque inerentes aos relacionamentos humanos.

 

Ainda que a programação, a ciência de dados e os algoritmos sejam meios com excelentes oportunidades de aprimoramento do diagnóstico, do exame e da decisão de muitas possibilidades, só podem agir com base naquelas possibilidades que já foram decididas. Não são capazes de oferecer as habilidades de sensação, cooperação e criação da consciência humana, imprescindíveis para lidar com possibilidades presentes. E tais habilidades dependem, fundamentalmente, da paciência.

 

Todos os adultos, senão todas as crianças, já experimentaram alguma vez a dinâmica destas habilidades. Uma situação pessoal, relacional ou profissional se apresenta e não se resolve sozinha – emoções, interesses e necessidades estão em jogo – é preciso atuar diretamente para encontrar um ponto comum. Nessa atuação, a sensação, a cooperação e a criação são ativadas e frequentemente levam a opções que não atendem de imediato a todos os envolvidos. É preciso recuar, examinar e muitas vezes até sofrer para encontrar uma solução eficaz conjunta. Tal dinâmica precisa de paciência.

 

Um dos trabalhos recentes mais instigantes sobre o tema é o livro “O poder da paciência”, da autora M.J. Ryan, com primeira tiragem em 2003. Nele, a autora explora diferentes aspectos da paciência, incluindo a paciência consigo mesmo, com os outros e com as circunstâncias da vida. Ela oferece conselhos práticos e exercícios para ajudar os leitores a desenvolver sua paciência e lidar com situações desafiadoras de forma mais eficaz. A autora também aborda a importância da gratidão e do pensamento positivo na construção da paciência. Ela argumenta que, ao cultivar uma atitude de gratidão e focar nas coisas boas da vida, podemos reduzir o estresse e a ansiedade e desenvolver uma perspectiva mais positiva em relação ao futuro.

 

A leitura da obra é muito interessante por provocar a retomada de consciência da paciência enquanto virtude, ou seja, uma disposição constante a exercer a tolerância, a empatia e a gratidão, construindo e sustentando uma qualidade moral. Na linha deste texto, a autora demonstra que a sensação, a cooperação e a criação dependem da paciência, assim como a solução dos problemas e suas infinitas combinações, a habilidade de escuta e empatia e a convivência sincrônica.

 

Até mesmo a tecnologia depende da paciência. É famosa a história de Thomas Edison e sua afirmação de que não havia falhado em suas mil tentativas de criar a lâmpada, e sim encontrado mil maneiras que não funcionavam. Essa passagem é a ilustração exata a respeito da criação, da tolerância e das infinitas combinações de problemas da vida, todas sustentadas pela virtude paciente do inventor em direção ao seu objetivo. Talvez se Thomas Edison houvesse enraivecido e desistido do projeto, este texto seria um manuscrito elaborado à luz de velas.

 

Revigorar a virtude da paciência, portanto, é um movimento essencial para sustentar uma existência saudável e apta a lidar com a vida, nela incluída a própria tecnologia e suas ciladas. Mais ainda, é um caminho conhecido e estabelecido em direção às capacidades de criação e cooperação que levam em direção à tolerância e gratidão, posturas imprescindíveis para o sucesso coletivo.

 

Com ela, reuniões de trabalho, construção de estratégias, troca de ideias e problematizações tendem a funcionar de maneira mais eficiente e sutil. Relacionamentos podem ser preservados e mesmo recuperados. Decisões, não só profissionais, podem ser tomadas com um grau de consciência mais saudável. A velocidade da mente, as expectativas do desejo e as emoções de controle são lembradas, com recorrência, da imersão em circunstâncias que nem sempre podem ser determinadas, atendidas e controladas – e que tê-las todas dominadas frequentemente é muito perigoso. Em tempos altamente tecnológicos, a virtude da paciência poderia ser entendida como um aplicativo a ser instalado na mente e periodicamente atualizado.

 

Nos cabe, portanto, decidir sobre uma mudança de modelo de pensamento, em que a paciência seja reintegrada ao cotidiano, como virtude a ser cultivada, afastando a ansiedade que resulta das fantasias de controle e satisfação imediata, fomentando a criação e cooperação necessárias para lidar com as emoções, os interesses e as necessidades pessoais e alheias, no jogo da vida. São as possibilidades analógicas que se ramificam da paciência que, de fato, vão possibilitar uma mente saudável e preparada para lidar com questões imanentes à existência, cujas respostas a tecnologia poderá apoiar a obter, mas não suprir por completo.

 

 

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